sexta-feira, 21 de maio de 2010

Ficha Limpa

Ficha Limpa só para o futuro: para presidente do TSE, lei aprovada no Congresso não atinge candidatos já condenados

Por Carolina Brígido, no Globo Online:

Aprovado pelo Congresso como remédio contra a corrupção na política, o projeto Ficha Limpa não deve alterar o perfil das candidaturas este ano. O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Ricardo Lewandowski, jogou um balde de água fria na euforia dos que esperavam que a lei enquadrasse os candidatos já condenados. Segundo o ministro, ela só poderá ser aplicada contra pessoas condenadas no intervalo de tempo entre a sanção pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o registro das candidaturas.

Como Lula tem até 15 dias para confirmar ou não o texto do projeto - ou seja, 3 de junho -, dificilmente algum candidato será enquadrado nas novas regras para as eleições deste ano. O prazo para o registro das candidaturas na Justiça Eleitoral vai de 10 de junho a 5 de julho.

Segundo Lewandowski, uma lei não pode retroagir para prejudicar alguém. Por outro lado, a Justiça Eleitoral costuma considerar, em seus julgamentos, a situação da pessoa apenas na data do registro para examinar a validade dele - ou seja, condenações posteriores não seriam levadas em consideração. "A lei só pode retroagir para beneficiar alguém, nunca pode prejudicar", disse o ministro.

Lewandowski, entretanto, elogiou a aprovação do projeto. Para ele, a medida servirá para melhorar a qualidade da política brasileira. Como consequência, ele considera que "o povo brasileiro estará bem melhor representado" no próximo ano, se a lei for aplicada nas eleições de outubro.

"Foi um avanço importante, (a lei) prestigiou o princípio da moralidade. Essa lei foi aprovada em um momento extremamente oportuno, porque permite que se possa fazer a melhor escolha possível. Os partidos estão na obrigação moral de escolher os melhores candidatos em termos de antecedente, porque essa foi a manifestação praticamente unânime do Congresso, que representam a voz do povo."

Gurgel defende aplicação este ano
O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, também comemorou a nova regra e defendeu a aplicação nas eleições deste ano. Já há duas consultas no TSE questionando se a lei poderia ser aplicada este ano. Lewandowski disse que a dúvida será respondida em breve, antes do prazo para o registro das candidaturas. "A posição do Ministério Público será no sentido de dar máxima efetividade, ou seja, exigir o cumprimento já a partir deste ano", disse Gurgel.

Para o procurador, a nova lei contribuirá para expulsar os corruptos da política brasileira: "A partir do momento em que você afasta os chamados fichas-sujas, você melhora sim o nível da política brasileira".

Gurgel disse que não entrará com ação para questionar a validade da lei no Supremo Tribunal Federal (STF). "O MP vai trabalhar pela aplicação da lei, acho que é um apelo da sociedade brasileira, e é preciso que ela (a lei) seja implementada."

Recentemente, o STF declarou que uma pessoa só pode ser impedida de concorrer se for condenada em última instância. O projeto aprovado menciona apenas uma condenação por tribunal de segunda instância - ou seja, uma sentença que pode ser modificada por tribunal superior.

Para Lewandowski, que integra o STF, o caso examinado pela Corte é diferente do projeto aprovado. Portanto, para ele, a lei tem chance de ser considerada constitucional pela Corte, se for proposta ação contra ela.

"É uma situação um pouco distinta daquela que examinamos. Anteriormente, o tribunal debruçou-se sobre uma situação em que não havia lei nenhuma disciplinando a matéria. O veto ao registro dos candidatos poderia ficar ao arbítrio de um juiz de primeiro grau, ou mesmo da Justiça Eleitoral, sem nenhuma base mais objetiva."

Do Reinaldo Azevedo

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DEVAGAR COM O ANDOR!

Tenho certa curiosidade de saber como andam os debates nas faculdades de direito sobre o Ficha Limpa. Ontem, o presidente do TSE, Ricardo Lewandowski, também ministro do Supremo, lembrou que a lei não pode retroagir a não ser para beneficiar o réu e que só pode ter eficácia a partir de sua aprovação. Foi um pequeno Deus-nos-acuda, e logo apareceu alguém para gritar: "Impunidade!"

Eu também quero os bandidos fora da política, mas me digam uma coisa: quem mais aí acredita que leis devam retroagir? Muito bem: nesse caso, ela pegaria os larápios A, B ou C. Mas vamos pensar a questão como um princípio: imaginem cada nova lei retroagindo para punir o que não era punido na legislação anterior… Seria apenas o fim do Estado de Direito, essa bobagem, essa irrelevância… Desculpem-me a dureza: é um debate bucéfalo!

Também não parece razoável que se possam cassar direitos políticos de quem quer que seja havendo ainda a possibilidade de que a pessoa venha a ser inocentada num tribunal superior. Dificilmente alguém vai recorrer ao Supremo contra a lei. Mas me parece que basta que uma pessoa atingida pela lei o faça, e há uma enorme possibilidade de que prevaleça a chamada "presunção de inocência", que é um bom princípio. E a lei vai para o brejo.

Ah, qual é? Eu também quero gente de ficha limpa na política, na portaria do prédio, conduzindo os táxis… Mas deve haver alguma maneira de fazê-lo sem violentar alguns princípios que, à diferença do que possa parecer, preservam os inocentes, não os culpados. A intenção da lei pode ser boa, mas não concedam com a panacéia.

Ouvi algumas declarações do mais puro exagero: "Instaurou-se a moralidade na política!". Sou capaz de jurar que a esmagadora maioria dos 40 do mensalão era compsota de "fichas-limpas". E, no entanto, temos o que temos.  É possível fraudar gravemente a democracia e o estado de direito, por exemplo, tendo uma ficha mais limpa do que a biblioteca pessoal do Lula!

Tudo bem! Vamos moralizar! Mas não dá para contestar os princípios da não-retroatividade da lei e da presunção da inocência. Tomem cuidado com soluções simples, fáceis e erradas para problemas difíceis. Esse debate foi monopolizado pelo onguismo e por grupos militantes. E pode terminar na irrelevância. Sei que escrevo contra o "clamor". Paciência! Fosse a primeira vez, eu poderia sentir certo estranhamento.

Do Reinaldo Azevedo

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