sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Salvador é a bruxa

Salvador é a bruxa
 

Jolivaldo freitas

Uso um termo da galera teen... "a bruxa" que pode ter vários significados. Sendo usado conforme a ocasião. Pode ser algo maravilhoso, que excede ou emociona. Significa também o podre, o sem graça o ruim. Exemplos: o corredor Usain Bolt que bateu o recorde de atletismo mundial neste final de semana é a bruxa, no sentido positivo. Ou: o Esporte Clube Bahia que vai cair para a Terceira Divisão é a bruxa, no pior sentido.

E Salvador, como entra nisso? Nossa capital vem a ser, segundo censo demográfico do IBGE a terceira maior cidade do Brasil, atrás apenas de Rio e São Paulo. Salvador é a bruxa. Mas, esta velha capital da Bahia vem sofrendo cada vez mais com violência, fruto do seu crescimento desmesurado. A cada 10 minutos roubam um carro. Nos finais de semana, chegamos a alcançar mais de 20 mortes violentas e ninguém mais tem coragem de dar uma chegada na esquina ou levar o cachorro para passear. Podem roubar o cachorro. Isso se já não levaram a esquina. Esquina à noite é a bruxa.

O vetor de crescimento da cidade foi a leva de migrantes que vieram do sertão nos anos 70 do século passado, tangidos por um dos mais longos períodos de seca que se tinha notícia na história do país (e olha que no final do século XIX Dom Pedro deu as joias da sua coroa para acabar com os problemas causados pela seca no Nordeste). Os sertanejos chegavam aos borbotões em busca de trabalho na construção civil, atraídos pelo "Milagre Brasileiro" protagonizado por Delfim Neto e a ditadura militar. Já chegavam sem ter para onde ir. Pegavam o primeiro ônibus que vissem, seguiam em frente onde tinha uma área despovoada erigiam seus casebres ou palafitas.

Na contramão da pobreza absoluta vinham os técnicos de segundo escalão de todos os pontos do país para tentar a sorte no Polo Petroquímico de Camaçari. A cidade do Salvador passava a ser cidade-dormitório, os preços dos aluguéis subiram à estratosfera e tudo o mais empurrava a pobreza que vinha aos borbotões lá das bandas do sertão para áreas mais distantes do centro. O "Milagre Brasileiro" acabou, veio a crise mundial e Salvador ficou com o mico. Uma população pobre, despreparada e sem emprego, Saúde e Educação. Em cada ponto ao extremo uma invasão. Uma favela. A partir daí só vimos a violência crescer.

A violência não crescia somente em Salvador. Surgia muito mais no Rio e em São Paulo. Nos anos 80 do século passado muita gente da região Sudeste do Brasil decidiu ver o que é que a Bahia tem. Entendeu que Salvador era um mar de rosas frente à escalada de violência de Rio e São Paulo e passamos a receber uma leva de paulistas, cariocas e mineiros e até mesmo gaúchos aos borbotões. A cidade foi ficando mais densa, mais cara e tendo suas deficiências expostas de forma absurda.

A migração do Sul e Sudeste continua, pois ainda existe uma imagem latente de que a Bahia – dentro da realidade nacional – seria uma espécie de Valhala, uma Shangrilá, um paraíso, uma ilha de beleza, cosmopolita, afável, com relação inter-racial e trato social. Tudo regado ao som da Axé Music, água de coco, acarajé, praia e sol. O céu na terra. ("Bahia, terra da felicidade" – Ari Barroso. "Você já foi a Bahia, nego?" – Caymmi. "Sorria, você está na Bahia" – Slogan da Bahiatursa em tempos idos).

Mas o que vê quando se chega aqui para morar e não apenas para fazer o fugaz roteiro Aeroporto, Orla, Porto da Barra, Centro, Mercado Modelo e Pelô, é uma cidade estagnada, agora sabendo-se densamente povoada, com péssimo serviço de transporte, atendimento público improvisado, cheia de dengue e deseducada. O trânsito, que tinha poucas zonas de estrangulamento, está caótico. Até a avenida Paralela, a mais larga (nossa "freeway") quando não está engarrafada está congestionada ou com trânsito lento. Isso até a meia-noite.

E lembrar que com 3 milhões de habitantes a cidade não tem um bom estádio de futebol. Faltam bons teatros (tirante o TCA tudo é cacete armado). Não tem grandes casas para shows. Nenhum artista de renome internacional aparece. A orla é sofrível: vive-se do horizonte e das ondas que quebram na praia. E ainda se mija pelos muros da cidade. Salvador é a bruxa. No Tribuna da Bahia